OS PORTUGUESES E A POLIS
CIDADANIA E POLÍTICA
Numa das minhas últimas viagens de Lisboa a Bragança, quando já levava mais de seis horas aos tombos no autocarro, arrumei o computador e predispunha-me a passar o resto do percurso entretido com os meus pensamentos, quando uma senhora que disse ser de uma aldeia que já esqueci o nome e que vinha em animada cavaqueira com o motorista, se virou para mim e me interpelou sem cerimónias:
- Então o senhor também não acha que os políticos são todos ladrões?
Precavido como estou contra os perigos das generalizações, ripostei cauteloso:
- Bem, eu cá não sei que não sou político, mas a senhora não acha que na política também há gente honesta?
- Cá para mim não há ninguém, pois Todos os que vão para lá roubam o que mais podem!
E como já sei que uma democracia que não é capaz de encontrar gente que sirva a causa pública e não se sirva, aí está a nobreza da política, muito embora soubesse já a resposta, questionei:
- Então como vamos fazer?
- Sei eu cá bem, mas o que me parece é que isto já só lá vai com um Salazar!...
- Bem, mas antes de entregar de mão beijada a nossa preciosa liberdade a um qualquer ditador, não será melhor ver se nestes últimos anos de democracia tivemos políticos sérios? Por exemplo, acha mesmo que a Lurdes Pintassilgo nos seus cem dias de governo não foi honesta? E não teria sido honesto o General Ramalho Eanes?
- Não sei, que já não me lembro do que fizeram, mas os políticos são todos iguais e mal se apanham no poleiro toca a meter ao bolso!...
E para não deixar partir a presa, insisti:
- Oiça lá minha senhora, se se candidatasse a Presidente da Junta da Freguesia da sua aldeia e se fosse eleita a senhora também roubava?
- Não, lá isso não que não foi essa a educação que os meus pais me deram!
- E então porque é que não se candidata?
- Isso é que era bom, tenho mais com que me entreter do que trabalhar para os outros!...
Não necessitei de aprofundar mais o problema. De facto, se os índices de consciência e de participação cívica, manifestados por esta cidadã transmontana, são semelhantes aos da grande maioria, então digam-me que legitimidade têm os portugueses para exigir melhores políticos?
OS PORTUGUESES E A POLIS
CIDADANIA E LEI
Têm os portugueses uma mala pata com a lei e não há volta a dar-lhe. E como em Portugal a lei foi feita para não se cumprir, o que lhes resta é o recurso à força, em detrimento de qualquer outra forma civilizada de organização social.
Situações que ilustram estas afirmações não faltam entre nós, ou senão vejamos:
As empresas de publicidade porta a porta, após a publicação da legislação que estabelecia limites aos abusos publicitários, depressa esqueceram a interdição imposta, ordenando aos seus agentes que atafulhassem todas as caixas do correio com a indesejada publicidade, tivessem ou não afixadas as etiquetas legais.
E cá nós os portuguesinhos, que somos espertos como nenhuns outros, depressa resolvemos o problema, recorrendo a famigerada força. Bastou instalar do lado exterior dos prédios suportes para os publicitários depositarem os folhetos e combinar entre todos os condóminos que não se abre mais o portão a esses malvados.
Com recurso à força, precisamente porque os portuguesinhos se estão borrifando para a lei, é o estratagema a que as câmaras recorreram e que é conhecido pelos “capa-cegos” ou pilaretes. Muito embora essa medida exista para obrigar os incivilizados lusitanos a respeitar as normas, é sem dúvida um recurso à força, e para avaliar a violência de tal medida bastará tão-só dar lá uma canelada ou bater lá com a ferramenta, como dizem que sucede com os cegos. Ora não seria tudo mais fácil e mais simples se cada um de nós procurasse ser cívico?
Outro exemplo do pouco respeito pela lei veio de um Diretor da TSF, já não sei o nome, que no dia em que se publicou uma lei que obrigava as rádios a divulgar uma certa percentagem de música portuguesa, declarou aos microfones da sua estação que não queria saber da lei e que passaria a música estrangeira que lhe desse na real gana. “Será essa atitude um recurso à força?”, poderão perguntar. Mas haverá maior violência que a de um microfone aberto às ondas hertzianas nas mãos de um compulsivo palrador?
Ainda não estão satisfeitos e querem ainda outro exemplo? Pois aí vai:
Vem esta dos políticos que deveriam ser os primeiros a cumprir as leis que elaboram e mandam publicar: nas últimas eleições autárquicas, houve gente que se candidatou contra a lei, na medida em que esta limitava os mandatos a quatro, apressando-se os chico-espertos a declarar que a limitação dizia respeito unicamente a uma mesma autarquia.
A insistência de contornar a lei foi deveras gritante e a verdade é que se em Portugal houvesse uma consciência generalizada de respeito pela lei, seriam os próprios políticos a desistir de tais intentos, pois essa obrigação deverá ser de todos e mais ainda dos que têm mais visibilidade e mais responsabilidades.
E perante este caso, digam-me cá: se um político força e pretende contornar a lei para ganhar as eleições, depois de eleito que garantias pode dar de respeito pelas normas que nos governam?
Convençam-se meus amigos, é melhor para todos cumprir as leis, do que ceder ao impulso das contornar, pois a única alternativa que nos resta é a da força e do varapau, e nessas circunstâncias nunca sabemos quando esse malfadado recurso acaba por nos cair nas costas.