PORQUE SE FALA DIALECTO LEONÊS EM TERRA DE MIRANDA? [À memória de D. Ramón Menéndez Pidal.]
Apesar de já em 1882 Leite de Vasconcelos ter entrevisto o carácter dos falares a que chamou «co-dialecto mirandês»(1), foi todavia Menéndez Pidal quem, em 1906, definitivamente estabeleceu a filiação leonesa da linguagem territorialmente portuguesa da Terra de Miranda. Foi ele ainda quem então procurou a explicação histórica deste facto linguístico, julgando encontrá-la nas circunstâncias de esse território ter pertencido, em época romana, ao convento asturicense e de a Igreja de Bragança, com todos os seus territórios até ao Tuela, se encontrar incluída na Idade Média na Diocese de Astorga (2). É este problema que, não o julgando assim definitivamente resolvido, me proponho aqui retomar. O texto do «Parochiale» suevo do século VI (3) não permite determinar com precisão os limites respectivos das dioceses de Brácara e Astúrica nessa época. À primeira pertenciam, sem dúvida, não só a Terra de Panóias (Pannonias- hoje Vila Real e Murça), mas, mais para oriente, Ledra (Laetera com variantes) (4) e Bragança (Brigantia). Aliste, que aparece num dos textos, é fruto de uma interpolação tardia em favor de Braga (5), mas não consta da lista das paróquias asturicenses. Se não fosse demasiado arriscado identificar Astiatico (variante Astiatigo), da lista dos pagi bracarenses, com Sayago, poderíamos afirmar sem receio que o domínio da Igreja de Braga, estendendo-se a oriente para a margem esquerda do Douro, abrangia então a região que nos interessa. Sem essa identificação, realmente arriscada (6), e sem a possibilidade de identificar os restantes pagi (7), vemo-nos forçados a confessar que nada de seguro sabemos a tal respeito. Fossem porém quais fossem os limites em questão, eles devem ter permanecido inalterados até ao século VIII, quando, diante do avanço das forças muçulmanas, os prelados metropolitanos da Galiza foram obrigados a abandonar a sua sede e a refugiar-se no norte, em Lugo. Desde então até ao final do século XI os bispos de Lugo recebem simultaneamente o título de bispos de Braga e, por conseguinte, o de metropolitas da Galiza, e exercem a sua jurisdição eclesiástica e temporal sobre o território, mas não, ao que parece, sobre toda a diocese de Braga (8). Durante todo o século XI, os únicos territórios mencionados pelos documentos, na moderna Província de Trás-os-Montes parecem ser os de Chaves (Flavias) e Panóias (9). Do século X (974) chegou até nós um documento, pelo qual Ramiro III e sua tia D. Elvira, ao suprimirem a recém-criada diocese de Simancas, restituem às sés de Astorga e Leão as terras que lhes pertenciam e delas haviam sido alienadas em favor de Simancas. Entre esses territórios, na versão publicada por Flórez, figuram, «eclesiae quae sunt in Bregantia per illum rivulum qui dicitur Tuella, et discurrit usque dum intrat in Dorio contra Zamora ad partem Orientis, et intus Alisti». Sabemos porém, desde que Sánchez Albornoz descobriu na própria Sé de Astorga o diploma original, que o documento de Flórez é uma falsificação do século XII e que o original não menciona aqueles territórios(10). Todavia, não resta dúvida de que eles estiveram sob o domínio daquela Sé, porquanto em 1103, restaurada no fim do século anterior a cátedra bracarense, o Papa Pascoal II se dirige ao Bispo Pelágio de Astorga, recomendando-lhe que restitua ao Arcebispo Geraldo «parrochias Laedram uidelicet et Alistam et Braganciam, quas desolationis tempore perdiderat» e que aquele «tiranicamente retinha em seu poder» (11). Não sabemos por quanto tempo foi exercido este domínio e muito menos o papel que ele exerceu no repovoamento e colonização daquelas terras transmontanas. Todavia, teremos de admitir a possibilidade de que ele tenha sido de facto a causa do estabelecimento de dialectos leoneses nessa região, onde porventura, por se encontrar mais próxima, a acção episcopal seria mais intensa ou mais eficaz. Mas depois de admitirmos essa possibilidade, temos de reconhecer também que ela não seria explicação suficiente para o facto de eles se terem conservado em terras que, desde os primeiros anos do século XII, regressaram à jurisdição eclesiástica de Braga. Tal explicação, encontrá-la-emos, segundo creio, noutras circunstâncias históricas, das
quais uma só por si era bastante para dar razão da situação linguística da Terra de Miranda e que, no seu conjunto, pelo menos nos deixam compreender por que motivo as falas leonesas perseveraram, com tanta persistência, até ao dia de hoje em domínio português (12). Destas circunstâncias devemos principalmente pôr em relevo a intensa colonização leonesa realizada no século XIII, que as inquirições de D. Afonso III nos revelam, na região formada, entre os rios Douro e Angueira, pelo concelho de Miranda e parte do de Vimioso, colonização que se estendeu aliás mais para ocidente dos limites actuais do dialecto mirandês. Nessa colonização o papel primordial foi desempenhado pelos mosteiros de Moreruela e San Martín de Castañeda, mas colaboraram nele igualmente os Templários de Alcañices e vários particulares. Segundo a parte das inquirições de Afonso III publicada pelo Abade de Baçal (13), o mosteiro cisterciense de Santa Maria de Moreruela (Moreirola) possuiu e colonizou, dentro da área que agora especialmente nos interessa, as aldeias de Constantim, Ifanes, Barceosa (Vila Chã de) e Palaçoulo, no concelho de Miranda, Angueira no de Vimioso e finalmente uma «vila Sancti Johanis» não facilmente identificável. Ifanes e Constantim foram-lhe doadas já em 1211 por D. Sancho I, que ao mesmo tempo lhe deu a quantia de 100 áureos para que os frades «edificassem» aqueles lugares (14). Palaçoulo foi povoado pelos frades em tempo de D. Sancho II (15), e metade de Vila Chã de Barceosa (a outra metade pertencia à Ordem do Hospital ou à do Templo?) fora-lhes doada, no mesmo reinado, por D. Fernando Fernandes de Bragança, «quando tenebat terram» (16). Angueira foi adquirida pelo mosteiro, também no reinado de Sancho II, aos filhos de D. Telo Fernandes, a quem a doara D. Sancho I (17). Leite de Vasconcelos (Est. de filol. mir. I, 38) identificou, em dúvida, a «villa Sancti Johanis» mencionada nas Inquirições com a actual aldeia de S. Joanico, no concelho de Vimioso. A forma diminutiva deste topónimo torna porém pouco provável a identificação. Todavia, se existe hoje um S. Joanico, é porque existiu outrora um S. Joane, de que depende o topónimo moderno (18), e que provavelmente ficaria nas suas imediações. Poderia ser esse a ‘vila’ em questão. Inclino-me porém a crer que se trata da moderna freguesia de Cicouro, no concelho de Miranda, cujo orago é com efeito S. João Baptista (19). Seja como for, essa vila parece ter sido povoada em conjunto pelo Mosteiro de Moreruela e pelos cavaleiros Rodrigo Pais e Pedro Pais em tempo de D. Afonso III (20). Segundo o Abade de Baçal, o referido Mosteiro possuiu ainda (em que data?) o padroado das igrejas de Águas Vivas e Prado Gatão(21). Pela sentença de D. Afonso IV, que tirou aos frades leoneses a jurisdição que exerciam nas aldeias de Montesinhos e Quintanilha, vê-se que em 1345 a exerciam igualmente «nas aldeias que haviam em terra de Miranda» e que essa jurisdição lhes não foi tirada (22). Em 1320-1321 eram do Mosteiro pelo menos as Igrejas de Ifanes, Angueira e Palaçoulo (23). Ainda segundo as Inquirições de D. Afonso III, o Mosteiro de S. Martinho de Castanheda ou da Castanheira, possuía, em terras de Miranda, apenas a aldeia de S. Martinho de Angueira, que povoou no reinado de D. Sancho II (24), mas, ao que parece, pertenceu-lhe também metade das aldeias de S. Joanico, Caçarelhos e Especiosa (25). É natural que o próprio nome da aldeia de S. Martinho lhe tenha sido imposto pelo convento que o povoou. Em 1289 o mosteiro renunciou aos seus direitos sobre aquele lugar, reservando porém o padroado da igreja, as dízimas da ‘vila’, uma casa de granja que aí possuía, dois moinhos e terras para dois jugos de bois (26). Em 1353 vêmo-lo aceitar a cedência de uma herdade que aí possuía mas se encontrava na posse indevida de um Estêvão Peres, de Bragança, e de sua mulher Marinha Peres (27). Três anos depois é o Mosteiro que dá «por 15 anos todos os bens que tinha em S. Martinho de Angueira de Miranda, e em França e Aveleda de Bragança, com todos os seus foros e padeliças, etc. a Estêvão Pires de Bragança [isto é, ao mesmo do documento anteriormente citado], para este se pagar do que os Monges lhe deviam» (28). Aos Templários de Alcanices pertenciam as ‘vilas’ de Avelanoso e Cerapicos, no concelho de Vimioso, e parte da Réfega (hoje Quinta da Réfega, freguesia de Miranda), no concelho de Miranda; além disso uma «villa de Fratribus», que julgo poder identificar sem receio com Vale de Frades, do concelho de Vimioso, tanto mais que é nessa actual freguesia que se encontra Cerapicos; e finalmente uma «villa Sancti Johanis de Ripa Dorii», que é talvez hoje a aldeia de Picote, cujo orago é S. João Baptista. A ‘vila’ de Avelanoso, que fora reguenga e se encontrava erma, foi repovoada pelos Freires de Alcanices no tempo de D. Afonso III (29). A Quinta da Réfega foi povoada conjuntamente por Alcanices e pelos filhos de D. Nuno de Samora mais ou menos na mesma época (30). As Inquirições nada dizem quanto ao tempo em que povoaram Cerapicos, Vila de Frades e S. João de Riba-Douro (31). A ‘vila’ de Malhadas foi doada por D. Sancho I a D. Nuno de Samora e outros cavaleiros leoneses para que a povoassem, com a condição de defenderem Bragança em caso de ataque, condição que parece eles não terem cumprido! Na época das Inquirições encontrava-se a aldeia na posse dos filhos de D. Nuno, e dos Freires de Alcanices (32). A «villa de Biberes», que se poderá certamente identificar com o actual Campo de Víboras do concelho de Vimioso (33), foi, ao que parece, povoada em tempo de D. Sancho II por Pedro Salvadores, Arcipreste de Miranda, o qual a deu em comenda a Pedro Ponce de Leão, cujos filhos e viúva possuíam a terra na época das Inquirições (34). Os mesmos encontravam-se igualmente na posse da ‘vila’ de Vimioso, que fora povoada por D. Fernando Fernandes no reinado de D. Sancho II, dele passando, por casamento, a D. Teresa e D. Sancha Gomes. A estas a comprara D. Nuno de Samora, que por sua vez a cedera ou vendera a D. Pedro Ponce de Leão (35).
Finalmente Carção foi doada por D. Sancho I a D. Facundo, cavaleiro leonês, encontrando-se, na altura das Inquirições, em poder dos filhos deste e da Ordem do Hospital (36). Em suma, os lugares linguisticamente leoneses da Terra de Miranda foram povoados por elementos leoneses e encontravam-se em 1258 na sua posse as aldeias de Constantim, Ifanes, S. Martinho de Angueira, Malhadas, a Quinta da Réfega junto da cidade de Miranda, Palaçoulo e Vila Chã de Barceosa, e ainda uma «villa Sancti Johanis» e outra «Sancti Johanis de Ripa Dorii», que hipoteticamente identificámos com Cicouro e Picote. Segundo o Abade de Baçal outras lhes pertenceram ainda, como vimos, em todo ou em parte: Águas Vivas, Prado Gatão, Caçarelhos e Especiosa. É natural que outros lugares, alguns dos quais hoje freguesias, tenham sido colonizados pelo mesmo processo ou se tenham desenvolvido a partir de localidades maiores, como Palaçoulo, Barceosa, Malhadas, etc. Não custa mesmo admitir que a aldeia da Granja (freguesia de S. Pedro da Silva) – como o nome deixa supor – deva a sua fundação aos cistercienses de Moreruela ou de S. Martinho de Castanheda (39). Notemos ainda que, dentro da área actual do mirandês, só Paradela surge nas Inquirições na posse de um senhor português – o Arcebispo de Braga (38). Esta colonização, realizada numa região ainda hoje de baixa densidade populacional (39) e então decerto pouco menos de deserta, estendeu-se desde o princípio do século XIII até ao século XV, como admitiram o Abade de Baçal e Leite de Vasconcelos (40) – tempo mais que suficiente, se não para o estabelecimento, pelo menos para a fixação do dialecto leonês em terras já politicamente portuguesas. Nas imediações directas da zona mirandesa mas hoje de fala portuguesa, encontram-se outros lugares que, como vimos, sofreram também colonização leonesa: Avelanoso, Vale de Frades, Cerapicos, S. Joanico, Vimioso, Carção e Campo de Víboras. Ora Leite de Vasconcelos (41), baseando-se em certas características do português aí falado e sobretudo na toponímia local, admite, decerto com razão, a possibilidade de que em várias povoações do concelho de Vimioso, especialmente em Cerapicos, Campo de Víboras, S. Joanico e Avelanoso (42) se tenha um dia falado o mirandês. Os nomes dos baldios das freguesias de Vale de Frades e Vimioso (43) oferecem-nos mais alguns elementos: na primeira freguesia (44) Carabica e duas vezes Laganica com o típico sufixo diminutivo do mirandês. Esta última forma está provavelmente por *Lagonica (mir. Lhagonica) e apresenta portanto a conservação do -n- intervocálico. Na freguesia de Vimioso (44) surge o nome Veneiro, que só poderemos comparar com os topónimos espanhóis Venero, Veneros e apelativo venero ‘filão de minério’; e por outro lado com os topónimos e apelativos correspondentes portugueses Vieiro, Vieiros (nome de numerosos lugares nalguns dos quais se exploram minas) e vieiro ‘veio de metal, filão’(45). Quanto às duas aldeias do concelho de Bragança em que se fala igualmente o dialecto leonês, as circunstâncias são semelhantes às da Terra de Miranda. Guadramil parece ter sido povoada por homens de Bragança, mas na época das Inquirições era possuída por Pedro Rodrigues e seus irmãos, talvez descendentes dos antigos povoadores, por vilãos leoneses, casados com descendentes dos mesmos, e pelos Templários de Alcanices, que aí obtiveram, ao que parece pouco antes, cinco casais pela força (46). Rio de Onor (que aparece em forma portuguesa Rio de Oor ou Bairro de Rio de Oor) já nessa época se encontrava dividido em duas partes, separadas pelo rio («Rivulum de Asores»), uma de Leão e outra de Portugal. Por sua vez, metade da parte portuguesa encontrava-se na posse de Pero Garcia, Escudeiro, e de seus irmãos, pertencendo o restante aos Espatários de Uclés (47). São estes decerto os «homines de Leon» que, segundo o testemunho de Bermudo Sanches, ‘prelado’ da Igreja de S. Romão de Baçal, «modo tenent ipsum... et non faciunt inde forum domino Regi nec obediunt inde ei» (48). Como se pode ver pelo mapa anexo, os bens de proprietários leoneses, em especial do Mosteiro de Moreruela, estendiam-se muito mais, sobretudo pelo actual concelho de Bragança.
Todavia, aqui não se tratava, como em Miranda, da posse total de terras, mas apenas de herdades, casais ou vinhas, exceptuando Vila Meã (freguesia de Deilão), que pertencia por inteiro, desde o tempo de Sancho II, ao Mosteiro de S. Martinho da Castanheira (49), e Quintanilha e Montesinhos (freguesia de França), que se encontravam desde a mesma época na posse quase total de Moreruela (50). Aí pouco mais ficou do domínio leonês além de alguns vestígios na toponímia: Quintanilha, em 1345 Quintanelha (51), que aparece nas Inquirições de D. Afonso III ainda com forma portuguesa Quinteela (52); um lugar de Moreirola da freguesia da Carragosa e uma rua do mesmo nome (hoje das Moreirinhas) na própria cidade de Bragança (53); Lagonote, nome de um baldio, em Deilão (54). ‘Todavia alguns traços característicos da fala, sobretudo da morfologia, de Quintanilha e Deilão (55), podem talvez provir desse domínio dos mosteiros leoneses. Seja qual for o grau de penetração dos dialectos leoneses no distrito de Bragança na época de que nos ocupamos, ela não deve todavia ter ultrapassado muito os seus actuais limites. Dentro deles os mosteiros e cavaleiros leoneses eram exclusivos senhores, contra cuja influência não havia praticamente força que se opusesse. No resto da província opunha-se-lhe, pelo contrário, a influência mais forte de senhores e povoadores portugueses, como eram sobretudo o Mosteiro de Castro de Avelãs (56), que, embora afiliado ao de Castanheda, não deixava de ser português, e o poderoso cavaleiro Nuno Martins de Chacim (57). E porque teriam subsistido até hoje os dialectos leoneses da Terra de Miranda? Por duas razões: a primeira, o isolamento dessa região em relação ao resto do país, a que já Leite de Vasconcelos (Estudos 2, II) se referiu, e a segunda, em parte consequência daquela, o contacto com as vizinhas terras do reino de Leão. Do difícil acesso ao território mirandês fala-nos a narração quase heróica da viagem que Leite de Vasconcelos empreendeu do Porto a Deus Igrejas em 1883 e em que gastou cinco dias (58)! Ainda hoje os meios de comunicação são escassíssimos: são poucas as estradas (nenhuma delas é asfaltada!) e o caminho de ferro só recentemente (1938) chegou a Duas Igrejas (59). Sobre as relações com o país vizinho falam-nos vários documentos publicados pelo Abade de Baçal (60) em que, desde D. João I a D. João III, se facilita o intercâmbio comercial entre a vila e o termo de Miranda e os habitantes das terras de Aliste e Saiago. Um deles porém (61) mostra-nos que essas relações não se limitavam ao comércio, mas que eram frequentes os casamentos entre os dois lados da fronteira. No final do século passado refere-se Leite de Vasconcelos (62) «às relações constantes com os espanhóis», que chegavam ao ponto de cada mirandês poder falar com fluência o castelhano, além da sua própria língua e do português (63). Em resumo: se o domínio da Sé de Astorga sobre a quase totalidade do actual distrito de Bragança foi suficientemente prolongado e a sua acção colonizadora suficientemente intensa – a respeito de uma e de outra nada de facto sabemos – para estabelecer na Terra de Miranda o uso do dialecto leonês, a colonização leonesa do século XIII, que provavelmente se prolongou até ao século XV, não contribuiu decerto em pequeno grau para a fixação da sorte linguística daquela região. A bem dizer, ela só era bastante para a explicar. O isolamento desta zona com respeito ao resto do país e, pelo contrário, o contacto íntimo, quer comercial quer social (casamentos), com os povos de Aliste e Saiago permitem explicar a sua conservação até aos nossos dias.
[Num importante estudo intitulado Dos problemas iniciales relativos a los romances hispánicos, que serve de introdução ao primeiro volume da Enciclopedia lingüística hispánica (Madrid 1959, pp. XXVII-CXXXVIII), o Prof. Menéndez Pidal volta a ocupar-se do «caso de Miranda do Douro» pp. LII-LIV) para, tomando posição relativamente ao ponto de vista exposto no meu artigo, defender o carácter originariamente leonês do idioma de Miranda e rejeitar a possibilidade de que este tenha sido determinado pela colonização do séc. XIII. Sem intuito polémico mas apenas no desejo de entregar aos leitores todos os dados necessários para
formular um juízo, quereria resumir aqui o que me parece essencial e em certa medida esclarecer a minha posição actual (que pouco diverge aliás da de 1952):
(1) Quanto à época romana, nada prova – nem, que eu saiba, há indícios que permitam uma presunção razoável – que o território de Miranda estivesse incluído no convento asturicense e não no bracarense. Aliás este ponto nada (ou muito pouco!) afecta o problema actual, porque não é ao séc. V que remontam os caracteres linguísticos que séculos mais tarde oporiam leonês e português.
(2) No período suevo-visigótico (sécs. V-VIII) continuamos a não saber positivamente se essas terras pertenciam à diocese eclesiástica de Astorga se à de Braga – mas agora as probabilidades parecem inclinar-se mais para a segunda do que para a primeira hipótese. Efectivamente, a interpolação de Aliste no «Parochiale» suevo não prova que este «pagus» não pertencesse a Braga – tanto mais que ele não figura, em nenhum dos manuscritos do mesmo, como pertencente a Astúrica –, e, por outro lado, mesmo que Aliste fosse asturicense, nada impedia que Miranda pertencesse à diocese de Braga. Aliás, sabemos já que na lista dos «pagi» bracarenses figura sempre Astiaticum – e que pode ser Astiaticum senão o actual Sayago? e, se Sayago era bracarense, não o seriam Aliste e, com mais razão, Miranda? De resto, se a Sé de Braga mais tarde, no séc. XII, reclama a posse destas terras, afirmando-as abusivamente retidas pelo Bispo de Astorga, e vê satisfeita a sua pretensão, não será porque efectivamente elas antes lhe haviam pertencido? (Assim o pensa Avelino de Jesus Costa, no seu notável trabalho O Bispo D. Pedro e a organização da Diocese de Braga, vol. I, Coimbra 1959, pp. 109 ss., v. sobretudo p. 110 e 137).
(3) Quanto a uma grande parte do período que vai do séc. VIII aos primeiros anos do séc. XII, sabemos que não pode ter-se aí exercido eficazmente a jurisdição bracarense e sabemos por outro lado que a Sé de Astorga em 1103 «retinha em seu poder» o Norte do actual distrito de Bragança, compreendendo as Terras de Ledra e Bragança, e mais Aliste – mas ignoramos desde quando durava este domínio como também ignoramos se esse território compreendia a Terra de Miranda (cf. Avelino de J. Costa, o. cit., p. 110 n. 1).
(4) Admitindo porém, como hipótese não inverosímil, que Miranda e Aliste andassem ligadas, sabemos que a partir dos primeiros anos do séc. XII transitaram, pela primeira vez ou, mais provavelmente, de novo, para a posse da Sé de Braga, aquela definitivamente, esta (como também outras terras, entre as quais Sanábria) transitoriamente (talvez até ao tratado de Alcanices – 1297 –, segundo o P.e Avelino Costa, o. cit., p. 110); e que pouco mais tarde Miranda passa a fazer parte permanente do novo reino fundado por D. Afonso Henriques. Nessas circunstâncias, não assumirá especial importância para a determinação da fisionomia cultural e particularmente linguística desta região a colonização do séc. XIII a que se refere o meu artigo? Mesmo que admitamos que a população autóctone (seguramente muito escassa em número) já então falasse um idioma de tipo leonês, uma acção colonizadora que, a avaliar pelos documentos, não deve ter sido superficial (Granja e Vale de Frades – antes Villa de Fratribus – , pelo menos, são provavelmente fundações monásticas desta época), não poderia deixar de exercer uma influência duradoura, contribuindo decisivamente para a fixação desse tipo, já porque fomentou imediatamente o intercâmbio entre os povos de Miranda e das terras leonesas vizinhas, já porque, com isso mesmo, terá criado ou, decerto antes, fortalecido uma direcção na corrente das relações económicas, sociais e, em geral, culturais, orientando-a mais para leste e, por contrapartida, desviando-a parcialmente, enfraquecendo-a noutras direcções. Para fazermos ideia do papel que poderá ter desempenhado essa acção colonizadora, talvez seja útil procurarmos imaginar como se passariam as coisas se, em vez de mosteiros e cavaleiros leoneses, tivessem sido entidades portuguesas (o mosteiro de Castro de Avelãs, os templários
de Algoso, Nuno Martins de Chacim, por exemplo) as que entrassem nos sécs XII e XIII a possuir e colonizar essas terras de Riba-Douro: não seria provável que as populações autóctones (continuando a admitir que falassem um idioma de tipo leonês) perdessem o seu falar originário e adoptassem o português – como aliás sucedeu mais tarde noutras terras do distrito de Bragança e em Riba-Coa? Mas, repito, nada nos permite ter como certo que fosse de tipo leonês esse falar originário – como nada nos permite ter como certo que o não fosse; nada nos impede porém de admitir a possibilidade (que não é a certeza) de que fosse essa colonização a própria causa determinante de que os mirandeses falem hoje leonês. De facto, não é possível afirmar que «uma colonização não pode implantar uma língua senão em terreno despovoado» – pois são bem numerosos e conhecidos (e de ao pé da porta) os exemplos de comunidades que mudaram de língua, e por vezes de forma bem rápida. Aliás, não se afirmou que, a não ser leonês, deveria ser português o tipo de idioma falado em Miranda antes do séc. XIII. Porque não seria, por exemplo, de um tipo arcaizante, que não participasse nem das inovações ocidentais nem das orientais? Quanto à topografia da região, nunca ela pode ser invocada como prova de um facto de natureza histórica – «que Miranda pertenceu sempre à terra Asturicense e não à Bracarense» –, porque é sabido que o homem se sobrepõe à geografia. Não convém aliás exagerar as dificuldades de comunicação entre Miranda e Bragança (e entre Miranda e Mogadouro, Freixo, Algoso, Macedo e Vimioso?): os vales dos rios não são tão profundos nem tão escarpados que tivessem impedido um constante intercâmbio entre Miranda e as regiões lusófonas limítrofes, no sentido leste-oeste e no sentido contrário, intercâmbio que se manifesta hoje quer no léxico (abundante número de lusismos do dialecto mirandês; numerosas palavras de origem leonesa cuja área de expansão se estende até ao coração do distrito de Bragança e até mais longe ainda), quer na cultura material e espiritual (alfaias e práticas agrícolas e domésticas, por exemplo – carro de chedas e berbiões, trilho. «morilhos», uso do «arico» –, transpondo em grande número todos os limites naturais e linguísticos e difundindo-se largamente por toda uma vasta área transmontana e leonesa).] [Aditamento à 2.ª ed.: Não podendo nem desejando voltar agora ao problema, limito-me a remeter o leitor para dois trabalhos publicados posteriormente à nota acima: CLAUDIO SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Despoblación y repoblación del valle del Duero, Buenos Aires 1966 (que rebate a tese histórica de D. Ramón sobre a persistência da população no vale do Douro, com particular referência à Terra de Miranda v. pp. 170-1); MARIA JOSÉ MOURA SANTOS, Os falares fronteiriços de Trás-os-Montes, Coimbra 1967 (que adere fundamentalmente às teses históricas e linguísticas pidalianas; cf. em especial pp. 417-8) - «Sit lector iudex.»]
NOTAS
(1) Opúsculos 4, 679 ss., reproduzindo parte de um artigo publicado naquela data. «Os factos já falaram, e em virtude deles pode-se estabelecer que o mirandês pertence ao domínio espanhol, como próximo do leonês», p. 682. (2) R. MENÉNDEZ PIDAL, El dialecto leonés (separata da Revista de Archivos, Bibliotecas y Museos, Madrid 1906), p. 5 – Que Miranda pertencesse ao Convento Asturicense é aliás bastante duvidoso, como o próprio Menéndez Pidal, confessa, ibid., nota 4. Cf. também LEITE DE VASCOVELOS, Religiões da Lusitânia 2, 339-40. – Ao admitir a inclusão do distrito de Bragança na Diocese de Astorga, Menéndez Pidal baseava-se ainda no documento publicado por Flórez que, como veremos adiante, é falso. Ver do mesmo Orígenes del español (3.ª ed., Madrid, 1950), p. 448 nota e carta na p. 488. (3) Ver em PIERRE DAVID, Études historiques sur la Galice et le Portugal du VIe au XIIe siecle, pp. 1 e ss., especialmente 32-33. (4) Território que compreendia pelo menos parte dos actuais concelhos de Mirandela e Macedo de Cavaleiros, ao longo da margem esquerda dos rios Tua e Tuela, onde se encontram ainda hoje os lugares de Vilar de Ledra e Fornos de Ledra, das freguesias respectivamente de Carvalhais e Lamalonga. (5) P. DAVID, ob. cit., 32 e 46-7. (6) [Não a creio hoje (1964) tão arriscada como a julgava então: parece-me, pelo contrário, extremamente provável a identificação.] (7) Vallariza, interpolada no mesmo texto a que me refiro, pertencia de facto à diocese portucalense, P. DAVID, ob. cit., 33, 35 e 46. Este pagus devia corresponder a um território centrado à volta dos actuais vale e ribeira da Vilariça, – afluente da margem direita do Sabor, proveniente da Serra de Bornes –, que dão o nome a algumas freguesias dos concelhos de Alfândega da Fé, Vila Flor e Moncorvo: Santa Comba da Vilariça, Vilares da Vilariça, Castelo da Vilariça e Horta da Vilariça. A identificação foi aliás já feita por Fermín Bouza Brey na revista Ampurias 5 (1943), 304-6. A forma primitiva do nome é evidentemente a com a na primeira sílaba, que se conservava ainda no século XV, segundo me informa o Dr. Joseph Piel: Valariça. O pagus recebia portanto o nome do vale: Valle-Aritia, Vallearitia (também numa moeda, cunhada pelo rei Witerico, apud Bouza Brey). A forma moderna Vilariça provém de uma adaptação do topónimo a vila e sobretudo a vilar, tão frequente na toponímia transmontana (Vilares da Vilariça, p. ex.). (8) Ver sobre este assunto P. DAVID, La métropole ecclésiastique de Galice du VIIIe au XIe siecle. Braga et Lugo, in ob. cit., 119 ss. (9) V. PAULO MERÊA e AMORIM GIRÃO, Territórios portugueses no século XI (com mapas), in Revista Portuguesa de História, 2, 255-263. (10) SÁNCHEZ ALBORNOZ, El obispado de Simancas, in Homenaje ofrecido a Menéndez Pidal 3, (Madrid 1925), 325 ss. Comparando o diploma da Sé de Astorga com versão de Flórez e com uma outra de Risco, Sánchez Albornoz conclui ser aquele o documento autêntico e estas falsificações tardias. (11) S. ALBORNOZ, ob. cit., 342. Bula publicada por C. ERDMANN, Papsturkunden in Portugal (Berlim, 1927), p. 160. Deve ter sido nesta época que se deu em Astorga a falsificação do diploma de Ramiro III (S. Albornoz, ibid.) e a interpolação bracarense do «Parochiale» suevo (P. David. ob. cit., 46). O facto de, quer nestes dois documentos, quer no diploma pontifício, Aliste vir unido a Ledra e Bragança, poderá fazer-nos admitir uma tradição segundo a qual aquela região era de facto da jurisdição de Braga? Nesse caso, também Miranda pertenceria, não a Astorga, mas à Sé Bracarense. (12) As circunstâncias a que me refiro não eram desconhecidas. Tanto Leite de Vasconcelos como o Abade de Baçal (que foi de resto o editor dos próprios documentos) se referiram, mais de uma vez, à posse das terras dos Mosteiros leoneses de Moreruela e
Castanheira, no distrito de Bragança, mas nem um nem outro lhes atribuíram a importância que de facto lhes compete. Cf. LEITE DE VASCONCELOS; Opúsculos 4, 693, onde cita a doação de Constantim e Ifanes, a que me refiro adiante (doação que mais tarde publicou, in Estudos de filologia mirandesa 2, 229-30), como prova da influência leonesa; Idem, Etnografia portuguesa 3, 84-87, 237 e 423; FRANCISCO MANUEL ALVES, Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança 2, 273-4 e 276. Só para as duas localidades que no concelho de Bragança conservam (ou conservavam até há pouco) idiomas de tipo fundamentalmente leonês propõe Leite de Vasconcelos uma explicação semelhante à que aqui considero para Miranda (v. Guadramil e Riodonor, in «Revista Lusitana», vol. 34, pp. 291-292). Citarei no decorrer do artigo aquelas duas obras, de Leite de Vasconcelos e do Abade de Baçal, respectivamente por Estudos e Memórias). (13) Memórias 4, 7 ss. O que publicou no tomo 3 da mesma obra, pp. 304 ss., não se refere à região de Miranda. (14) Diploma publicado por LEITE DE VASCONCELOS, Estudos 2, 229-30. Inquiricões de D. Afonso III (que citarei abreviadamente Inquir. D. A. III), apud Memórias 4, pp. 8, 9, 16, 17-8 e passim. Como se compreende, nem todos os testemunhos concordam uns com os outros e com os factos. (15) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, pp. 9, 11, 16. Em 1172 o reguengo de Atenor e Palaçoulo fora doado por D. Afonso Henriques a Pero Mendes, Cavaleiro, com a condição de que os colonos habitassem em Atenor, podendo construir as suas ‘vilas’ em qualquer parte, excepto no outeiro de Palaçoulo e na cabeça do mesmo outeiro (documentos em Estudos 2, 231-2; quanto à data, cf. ibid., nota 4 da p. 231). O que teria motivado esta condição? (16) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, pp. 9, 12, 15. (17) Ibidem, ibidem 16 e também 11, 15 e passim; doação (sem data) de D. Sancho I. a D. Telo Fernandes in Memórias 4, 136-7. (18) Sobre estas formações diminutivas, cf. LEITE DE VASCONCELOS, o. cit., 1, 34 e JOAQUIM DA SILVEIRA, cit. por J. PINTO LOUREIRO in O Instituto 94, 344. (19) «...fratres de Moreyrola populaverunt villam de Constantim et villam Sancti Johanis in Miranda...», ibidem, ibidem, 16. Cicouro encontra-se perto de Constantim. (20) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, pp. 15, 16. Será outra a ‘vila’ mencionada a p. 8, e povoada por Moreruela em tempo de D. Sancho II? (21) Memórias 2, 276. (22) Documento publicado por ABÍLIO ROSEIRA, in Boletim de Filologia 3, 157 ss. e já antes pelo ABADE DE BAÇAL, Memórias 3, 125 ss. (23) «Catálogo de todas as Igrejas, Commendas e Mosteiros que havia nos Reinos de Portugal e Algarve, pelos anos de 1320 e 1321», in Memórias 4, 447. (24) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, 10-11, 13, 16 (em tempo de D. Sancho I?). (25) Memórias 2, 273. (26) Ibidem 2, 270. (27) Documento ibidem 3, 274-5. (28) Inquir. D. A.. III, ap. Memórias 4, 8, 16, 19, 55. Duas testemunhas atribuem a posse de Avelanoso, uma à Ordem do Hospital, outra a Moreruela, ibidem, 7 e 14. Todas as outras porém concordam no que acabamos de ver. (29) Ibidem, ibidem 9, 10, 11, 14, 16. (30) Ibidem, ibidem 9, 10, 14, 16. (31) Ibidem, ibidem 55. (32) Ibid., ibid. 8, 9 10, 15. Uma testemunha de Vila Chã, p. 13, diz estar a ‘vila’ na posse dos filhos de D. Nuno e de Moreruela, o que é erro evidente. Cf. também LEITE DE VASCONCELOS, Estudos 1, 88.
(33) Estudos 1, 38. Ou com uma povoação desaparecida, junto desta. Leite de Vasconcelos, ibidem, p. 11, refere com efeito que «Campo de Víboras, ou como lá dizem, o Campo, é pequena aldeia, triste, e escondida atrás de enormes penedos chamados a Vila Velha, porque aí aparecem vestígios de construções antigas». (34) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, pp. 8, 11, 12, 13, 15. (35) Ibidem, ibidem, pp. 11, 12, 13, 15, 18. (36) Ibidem, ibidem, 11, 14, 15. (37) Tenha-se presente o papel da Ordem de Cister na expansão do termo francês grange, quer no vocabulário comum quer na toponomástica, penetrantemente analisado por AEBISCHER, Revista de Filologia 2, 201-218. (38) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 4, p. 16. (39) Veja-se por exemplo o mapa da «Densidade da população por freguesias» segundo o censo de 1940, publicado em 1948 pelo Prof. Dr. A. de Amorim Girão. (40) «...os mosteiros leoneses de Moreirola (Moreruela) e S. Martinho da Castanheira possuíam nos séculos XIII-XV muitas propriedades e direitos em terras de Bragança e Miranda», Leite de Vasconcelos, Etnografia portuguesa 3, 237; «É natural que fosse nas guerras do tempo do nosso rei D. Afonso V quando Moreirola perdeu os bens que tinha na nossa região», Memórias 2, 276. Todavia, ainda no século seguinte, em 1574, desejando o Papa Gregório XIII que os detentores ilegais dos bens outrora pertencentes ao Mosteiro de Castro de Avelãs, e então do Cabido de Miranda, os restituíssem ao seu legítimo proprietário, encarrega da resolução do assunto, não só o Bispo de Miranda, mas também o de Samora, o que faz pensar que algum súbdito deste Prelado ainda possuiria bens em terras de Portugal. Além disso Viterbo, Elucidário s. v. probamento, diz que os Figueiredos de Bragança «compraram a maior parte dos bens, que pertenciam em Portugal ao Mosteiro de S. Martinho de Castanheira» (é de facto do Cartório desta família que provém o documento citado atrás na nota 27), ao que o Abade de Baçal acrescenta: «Entendemos que essa compra a fez antes de 1721 Joseph Cardoso Borges etc.» (Memórias 2, 274). Teria assim ainda no século XVIII bens em Miranda o Mosteiro leonês de Castanheda? (41) Estudos 2, 45 ss. e Opúsculos 4, 705-7. (42) Nas Inquirições de Afonso III aparece este topónimo com forma portuguesa Avelaoso (Memórias 4, 8, 16, 55) e Aveloso (ibid. 19). (43) Reconhecimento dos baldios do Continente. Ministério da Agricultura, Junta de Colonização Interna. Vol. 2.º, Lisboa 1939. (44) P. 618. (45) Na freguesia de Pinelo o Reconhecimento dos Baldios, p. 616, fornece igualmente um topónimo caracterizadamente leonês Gamonal, a comparar com os nomes de lugares espanhóis Gamonal, Gamonales, Gamonedo, com o da serra Gamoneda de Sanábria, e com os apelativos gamón «planta de la familia de las liláceas», gamonal «tierra en que se crían muchos gamones»; e, do lado português, com Gamoal (também na Galiza pelo menos uma vez) e Gamoedo, Gamoeda correspondente à Gamoneda de Sanábria em Soutelo da Gamoeda (freguesia de Carragosa conc. de Bragança), e gamão ‘abrótea’ (Asphodelus albus Mill., segundo a Flora Portuguesa, 2ª ed., de Gonçalo Sampaio, p. 110; ou Asphodelus lusitanicus P. Cout., segundo a Flora de Portugal de Pereira Coutinho e Teles Palhinha, p. 150). Os registos das matrizes do concelho de Miranda, excertados quanto aos elementos toponímicos pelo Dr. Joseph Piel (que amavelmente pôs as suas notas à minha disposição) apresentam também o topónimo Gamonal várias vezes nas freguesias de Duas Igrejas e Miranda, uma Almeda do Gamonal em Paradela e nesta mesma freguesia Gamona e Gramonal (?). – Quanto aos elementos leoneses na toponímia de Atenor, cf. LEITE DE VASCONCELOS, Opúsculos 4, 706-7. (46) Inquir. D. A. III, ap. Memórias 3, 415-6 e ainda 310, 311, 402, 412. (47) Ibidem, ibidem 402, 412.
(48) Ibidem, ibidem 402. (49) Ibidem, ibidem, 309, 310, 344, 407. (50) Quintanilha: Ibidem, ibidem 310, 339, 403 e passim. Montesinhos: Ibidem, ibidem 310-11, 398-9, 402; Inquirições de D. Dinis, ibidem 321-2. – Como vimos atrás, p. 47 e nota 22, D. Afonso IV tirou, em 1345, ao Mosteiro a jurisdição que possuía sobre estas aldeias. (51) No documento citado na nota 22. (52) Quinteela de Rivulo de masanis na p. 403 e nas doações do mesmo Rei, ibidem 318. Não colhe portanto a dúvida expressa por LEITE DE VASCONCELOS, Estudos 2, 49. (53) Memórias 2, 276. (54) Reconhecimento dos Baldios, p. 492. (55) LEITE DE VASCONCELOS, Estudos 2, 49. (56) Sobre os bens deste mosteiro ver FRANCISCO MANUEL ALVES, Castro de Avelãs. Mosteiro beneditino (separata de O Instituto, Coimbra 1910), p. 11 ss. (57) Cujos bens se estendiam por quase todo o actual distrito de Bragança, vejam-se as inquirições nos volumes 3.º e 4.º das Memórias. Nuno Martins de Chacim «foi homem muito honrado e privado d’el-rei dom Dinis de Portugal e seu adeantado entro Doiro e Minho e na Beira» (Nobiliário do Conde D. Pedro, in Port. Mon. Histor., Script. 327). (58) Estudos 1, 6-7. (59) Há um único comboio de Pocinho a Duas Igrejas e a viagem do Porto a Miranda leva cerca de 11 horas! Uma única carreira diária de camionetes serve também esta região, a que liga Vimioso a Duas Igrejas passando por Miranda. [Estes dados referem-se evidentemente a 1962. A construção das grandes barragens hidroeléctricas depois disso modificou apreciavelmente a situação.] (60) Memórias 4, pp. 97-8, 107-8, 111, 114, 117-8, 119, 120-1, 121-2, 122. (61) Ibidem 124. (62) Estudos 1, 158. (63) [Ponho hoje um pouco em dúvida tal afirmação, depois de verificar por experiência própria como são pobres os conhecimentos linguísticos dos mirandeses que dizem falar correntemente o espanhol. Aliás estes são unicamente os homens: as mulheres não falam mais do que o português além do seu idioma materno.]
J. G. Herculano de Carvalho in “Estudos Linguísticos”, I B. N.: L. 34618-19 V.