DEMOCRACIA, TOLERÂNCIA, CONFLITO E DIÁLOGO
"O conceito de cidadania remete, antes de mais, para o comprometimento das nossas acções e atitudes, tendo em conta a nossa pertença a um espaço comum, a uma comunidade. Podemos colocar como requisitos da construção da cidadania – isto é, da capacidade de vivermos em conjunto num espaço que se pretende comum e aberto à diversidade de tendências, nos mais variados sectores, mas simultaneamente, regulado por princípios de coexistência pacífica e de respeito mútuo – três aspectos essenciais, aliás interligados entre si: o da gestão da diversidade das convicções, o da tolerância e o do diálogo.
Todo o ser humano vive segundo convicções. Umas serão mais esclarecidas do que outras mas, nem por isso, nas consequências práticas que delas decorrem, há diferença de responsabilidade. Só o princípio que aponta para a adopção esclarecida e fundamentada de convicções, tal como para a compreensão dos fundamentos que sustentam convicções diferentes das nossas, nos pode colocar de uma forma efectivamente responsável, perante as nossas opções e em estado de abertura, no sentido de capacidade de coexistência, perante aquilo e aqueles com quem não nos identificamos.
Essa abertura, essa coexistência com aquilo com que não nos identificamos, é o que leva a integrar a dinâmica do pluralismo, o respeito pela diversidade de pontos de vista e opções e a tolerância relativamente àquilo que se desvia das nossas convicções. Mas a tolerância é mais do que saber coexistir pacificamente com aquilo com que não nos identificamos. A tolerância autêntica é sempre uma forma activa de nos colocarmos perante os outros, uma maneira de nos dispormos e de nos esforçarmos para os entender. Ora, essa capacidade de entender sem estar de acordo é uma das competências fundamentais da cidadania, uma das marcas da sua elevação.
Naturalmente que o desacordo leva ao conflito. E seria utópico pensarmos numa sociedade sem conflitos. Eles fazem parte da vida dos homens, são-lhes intrínsecos e mesmo saudáveis. A grandeza, neste ponto, não está em procurarmos suprimir os conflitos, mas sim na capacidade de lidar com eles, fazendo valer os poderes mediadores do diálogo e da argumentação."
R. GRÁCIO; J. GIRÃO, A cor das ideias, Introdução à filosofia 11º ano, Lisboa, Texto Editora, 2004