Cidadania, Pluralismo e Democracia
«A filosofia não deve esquecer que logos [razão] – aquilo que nos distingue da natureza puramente animal – significa diálogo, que o racional é o ponto pacífico e construtivo do diverso. Só do diálogo poderá sair o universal [a construção do bem público]. Por consequência, a única universalidade aceitável é a que resulta da fusão de pontos de vista diferentes. O pluralismo é um bem, o único que pode fazer progredir o conhecimento ético neste mundo sem deus, em que ninguém é omnisciente. Por outro lado, defenderá mal a sua individualidade aquele que se identifique com o universal, pois o universal concreto – a nação, a justiça, a sabedoria – será sempre a criação de um poder totalitário disposto a uniformizar o diverso e a apagar toda a individualidade que não seja a sua. [...] Hoje toda a gente sabe e aceita que não há uma visão do mundo única e privilegiada, que todo o saber é relativo ao ponto de vista do investigador ou do estudioso- ou pelo menos, ao ponto de vista da sua cultura - , que a objectividade pura é um mito (...) que os absolutos são incompreensíveis, e que tudo o que é interessante é passível de opiniões diferentes. (...) As teorias do conhecimento não confiam na capacidade do sujeito para alcançar a verdade: falam da nossa realidade intersubjectiva, da inevitabilidade do diálogo. Só existe objectividade intersubjectiva, o consenso é o que existe de mais aproximado à verdade, a validade das teorias científicas é o que repousa, em última análise, nas decisões das comunidades de cientistas e não em referentes empíricos indiscutíveis. A única episteme [ciência] que existe é a que surge do confronto de doxas [opiniões]. Em resumo, a comunicação, mas é também a constatação de uma necessidade da nossa limitada natureza.» (Victoria Camps, Paradoxos do Individualismo, Relógio D’Água, 1996, pp.47, 144.)