CIDADANIA DIFERENCIADA
“Ao participarmos na vida pública, exprimimos a nossa pertença a uma comunidade política. Adquirimos, desse modo, uma identidade que partilhamos com quem quer que pertença a essa comunidade. Assim, crentes e nãocrentes, patrões e assalariados, solteiros ou casados, ricos ou pobres, todos somos, antes de mais, cidadãos. Por isso, dizemos que a cidadania tem uma função integradora. Potenciar a participação dos indivíduos na vida pública é uma maneira de integrar os indivíduos e os grupos na sociedade e evitar a exclusão social. Há, porém, alguns grupos que, não obstante possuírem direitos de cidadania iguais a quaisquer outros, se sentem ainda, de uma forma ou de outra, à margem da sociedade. É o caso, por exemplo, de algumas minorias étnicas ou religiosas, dos homossexuais, etc. Isto sugeriu que a integração de certos indivíduos na sociedade não deve ser feita tendo em conta simplesmente a sua condição de indivíduos, mas tendo também em conta a sua pertença a um determinado grupo. Deste modo, os seus direitos de cidadania deverão depender, em parte, do facto de pertencerem a este ou àquele grupo. É a isto que Iris Marion Young chama «cidadania diferenciada». A cidadania diferenciada implica a conjugação de direitos iguais para todos - o direito à vida, o direito ao voto, etc., - com direitos especialmente pensados para conservar a especificidade de alguns grupos que querem manter a sua diferença. Entre estes direitos estão, por exemplo, o ensino da língua, no caso das minorias sociais; o direito ao gozo de feriados religiosos próprios, no caso das minorias religiosas; etc. Nem toda a gente concorda com esta ideia. Alguns objectam que o ideal democrático de cidadania consiste em tratar as pessoas como indivíduos com direitos iguais perante a lei; logo, o conceito de «cidadania diferenciada» seria uma contradição nos termos. Além disso, uma cidadania diferenciada acabaria por reforçar, em lugar de reduzir ou eliminar, a exclusão de determinados grupos da sociedade civil. A cidadania diferenciada seria um obstáculo à ligação e à solidariedade entre os diferentes grupos que constituem a sociedade. A noção de cidadania diferenciada exige, todavia, que se faça a distinção entre os grupos que exigem o reconhecimento da sua diferença afim de facilitar a integração e os grupos que reivindicam a sua diferença com a finalidade de rejeitar a integração. No primeiro caso, estão grupos como os homossexuais, os imigrantes, etc. Estes grupos consideram-se em desvantagem em termos de participação na vida pública, por circunstâncias históricas, mas defendem a sua plena integração na sociedade. No segundo caso, estão grupos que, em lugar de procurarem a integração na sociedade, reivindicam a sua autonomia relativamente a ela. Este é, sobretudo, o caso das minorias nacionais. Países com minorias nacionais enfrentam o seguinte problema: como promover a
unidade social? O Estado procura, compreensivelmente, promover a identidade nacional; a minoria procura, por sua vez, promover a identidade própria.» (In AAVV, Criticamente 11º ano, Porto, Porto Editora, 2008, p. 330).